Opinião da Semana #9: Bolsonaro contra a China é o argueiro no olho do agro
27 de outubro de 2021
Opinião da Semana #9
Imprensa ADUR-RJ
Um olhar atento para a mais recente crise diplomática entre Brasil e China, que culminou em um embargo à carne brasileira, que dura desde o dia 3 de setembro, revela que o impasse não acontece apenas por causa da preocupação das autoridades chinesas com a qualidade dos bovinos brasileiros. Tanto Pequim quanto Brasília compreendem que os dois casos da doença da vaca louca, verificados em apenas duas fábricas, já foram solucionados e isolados. Ainda assim, o veto persiste, e a razão disso é a forma como o gigante asiático exerce sua diplomacia internacional.
A China não está satisfeita com o Brasil. Há poucos meses, seu consulado no Rio de Janeiro foi vítima de um atentado. A polícia brasileira trata o caso como um pequeno incidente protagonizado por um “lunático solitário”. Pequim quer respostas, culpados e uma investigação rigorosa, como demanda a diplomacia internacional, pois entende que o sentimento anti-China precisa ser contido com ímpeto. Além desta questão, o governo de Jair Bolsonaro deixou o disfarce cair: no debate acerca da tecnologia de 5G, cujo leilão se arrasta há dois anos, todas as recentes declarações do ministro da Comunicação levam a crer que a Huawei será preterida em razão de contendas ideológicas impulsionadas por fake news.
Não obstante, é notavelmente perturbador que as constantes declarações xenófobas do governo de Jair Bolsonaro, ao longo dos últimos três anos, fortaleceram o sentimento anti-China no Brasil. Em Brasília, diz-se, inclusive, que a melhor estratégia para o momento é pagar para ver até onde vai o embargo chinês, pois “eles são dependentes da carne brasileira”. Duvidar da capacidade de Pequim de contornar esse problema e encontrar outro parceiro comercial para garantir a segurança alimentar de sua população beira a sandice, mas é esse o caminho que o Brasil de Bolsonaro decidiu trilhar contra o seu principal parceiro comercial, e há algumas explicações para isso.
Pesquisas de institutos de inteligência e opinião popular nos EUA revelam que, independente de partido político, Democratas ou Republicanos, a população norte-americana entende que o crescimento da China deve ser contido pelo governo. Cerca de 70% dos norte-americanos acreditam que os avanços sociais e econômicos em Pequim são uma ameaça para o seu modo de vida. Tanto Donald Trump quanto Joe Biden insistem na tese de que é preciso conter a influência chinesa no Ocidente, sobretudo na América Latina, onde o capitalismo, ao invés das promessas de desenvolvimento e crescimento, gerou apenas mais desigualdade e pobreza, como atestado nas recentes obras de Thomas Piketty.
Neste sentido, em função de sua importância econômica e política para o continente latino, o Brasil se tornou um dos principais espaços de disputa de Soft Power (poder brando) entre EUA e a China. Enquanto Pequim avança sobre o mercado agropecuário brasileiro, sendo a principal parceira comercial do país e responsável por 10% da carne exportada no Brasil, Washington estreitou relações com Brasília, principalmente após a eleição de Jair Bolsonaro, em 2019. A submissão e subserviência de Bolsonaro aos interesses de Trump, além de constrangimento, rendeu ao Brasil um acordo pelo uso da Base da Alcântara e algumas promessas para ingressar na OCDE.
Nem mesmo a chegada de Joe Biden, que tanto ameaçou, ao longo de sua campanha, a soberania brasileira por causa dos desmatamentos na Amazônia, com promessas de novos embargos e até invasão, esfriou a relação entre Washington e Brasília. Ao chegar ao poder, Biden entendeu que Jair Bolsonaro é um peão importante na geopolítica norte-americana, disposto a conter, sob qualquer custo (e às vezes sem nenhuma contrapartida garantida pelos EUA), o avanço chinês no continente. O presidente brasileiro, por sua vez, abraça este papel, sinalizando abertamente que o “comunismo da China” deve ser rechaçado. Para Bolsonaro, a mais recente crise entre Brasil e China é uma “marola” sem força. Seus estrategistas garantem “que o impasse logo se resolverá”, pois “a segurança alimentar dos chineses depende das fazendas brasileiras”, como afirmou Tereza Cristina à revista Veja em entrevista na última semana.
A ministra, contudo, não é uma estúpida política – é ministra da Agricultura desde o governo de Dilma Rousseff-, e sabe que tais impasses, em longo prazo, são também uma forma para Pequim ganhar tempo, reduzir preços e prospectar novos mercados, como Argentina, Austrália e, principalmente, os Estados Unidos. O aumento da demanda asiática por carne, soja, laranja e outros produtos alimentícios provoca uma corrida entre Brasil e EUA, grandes produtores rurais (ao lado de outros países), para atender o mercado internacional. Para os Estados Unidos, é fundamental que Brasília e Pequim tenham ruídos nas suas relações comerciais, pois é desta forma que o agronegócio norte-americano avança sobre os mercados previamente estabelecidos entre China e Brasil.
O governo de Bolsonaro, por sua vez, acredita que uma aproximação entre Brasília e Washington deve ser prioridade no ministério das Relações Exteriores, sendo incapaz de reconhecer seu papel de “fantoche” no contexto da geopolítica norte-americana. A China não está satisfeita com o Brasil, e a gestão de Bolsonaro parece disposta a não entender este recado, apostando inclusive no recrudescimento destas relações, como quem mede forças contra uma potência global. Por enquanto, os chineses ainda “dependem” do mercado bovino brasileiro. Mas, para quem observou com atenção os feitos do Partido Comunista da China nas últimas décadas, apostar contra a capacidade da China é brincar de roleta russa.
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